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Calendário Insurrecional do Brasil

O Brasil foi construído por meios violentos. Em nossa história, já se dizia mais de trezentos anos atrás, “os alicerces assentaram sobre sangue, com sangue se foi amassando e ligando o edifício”. A apropriação da terra se fez e se faz, do século XVI ao XXI, por meio da expulsão, incorporação forçada ou extermínio dos povos indígenas. O mundo do trabalho foi por mais de três séculos dominado pela escravidão, ou seja, pela permanente possibilidade de uso da violência. A unidade política do país foi resultado de negociações e de conflitos sangrentos, com vitórias das forças do Estado sobre movimentos que iam de pequenas agitações de rua a imensas guerras civis, com importante participação popular e um saldo de milhares de mortos. Nossos quase dois séculos como nação independente são uma incessante acumulação de escombros, história de grandes e de pequenas lutas, tragédia de grandes e de pequenos massacres, farsas dos que vivem de apagar os rastros da barbárie para melhor legitimar a civilização que a produz.

Não contamos os eventos sangrentos como glórias do passado. Eles raramente frequentam nossa memória histórica e mesmo nestes casos apenas como acidentes de percurso ou dolorosas mas inevitáveis eliminações de barreiras ao progresso. Aprendemos a ver a história do Brasil como uma linha evolutiva pontuada por eventos supostamente pacíficos. Um “descobrimento” amistoso, uma Independência como “desquite amigável” ou “acordo de elites”, uma proclamação da república à qual o povo assistiu “bestializado”, duas ditaduras implantadas sem resistência imediata e derrubadas sem uma insurreição popular, sendo a oposição aberta ao autoritarismo obra de grupos isolados – “idealistas”, quando não “terroristas”. Avanços nos direitos e na cidadania vêm sempre de cima para baixo: da primeira constituição, oferecida pelo Imperador, à última, fruto de uma abertura política controlada pelo regime autoritário, passando pela Abolição como dádiva de princesa e pelos direitos trabalhistas concedidos pelo Pai dos Pobres. Comportem-se para que o progresso social venha por si mesmo, insurjam-se para que o progresso seja interrompido – esta é a moral da nossa história.

Ocorre que a trajetória encoberta pelo cortejo triunfal do progresso não deixa qualquer perspectiva de paz no futuro. A violência dos poderes públicos e privados não é uma particularidade nossa, mas a consciência tranquila diante dela talvez seja, pois o que mais impressiona em tudo isso é que ainda nos vejamos como um “povo pacífico”. Acostumamo-nos a condenar a menor violência como forma de luta dos oprimidos, mas a toma-la como legítima quando parte dos opressores, por mais exagerada que ela seja. Na mitologia nacional, não somos apenas pacíficos, somos também acomodados, inertes, incapazes para a organização e para a ação política. Por isso a verdadeira Revolução não nos pertence.

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Resistência popular no Pinheirinho, São José dos Campos, SP, 2012

Este discurso, que se construiu junto com a ideia de uma nação brasileira, foi questionado e recolocado em diferentes momentos, sendo 2013 um ano de ruptura nesta tradição. Sob o impacto das grandes manifestações em torno da pauta dos transportes a partir de junho, milhões de brasileiros, sobretudo os mais jovens, irromperam na esfera pública. Para muitos era a primeira oportunidade de um aprendizado político para além dos meios institucionais. Algumas experiências indicaram o potencial de organização autônoma da juventude, caso do próprio Movimento Passe Livre, que vinha de uma trajetória de anos de luta e que desconcertou os políticos tradicionais, incapazes de lidar com uma força política que não se coloca como uma direção. Mas é o caso também das assembleias populares, primeiramente em Belo Horizonte, e das ocupações de câmaras municipais em diversas cidades do país. Outras experiências apontam para a disposição da juventude em enfrentar as mentiras e a força bruta que sustentam a ordem capitalista vigente, o que no plano da luta imediata significou enfrentar a mídia corporativa e o aparelho repressivo estatal, principalmente a Polícia Militar. Uma onda de desobediência atravessa o país, num processo que só aparentemente se esgotou.

Como se verá neste Calendário, essas formas de organização e mobilização têm precedentes importantes. Não é um acaso que o discurso midiático, na tentativa de capturar e deturpar os sentidos da luta popular, se baseou nas imagens de um país acordando e em gritos de “sem violência”. Para eles, a narrativa de uma história pacífica e sem experiências anteriores de organização e luta popular precisava ser restabelecida, depois de ser demolida nas ruas em junho. Tal esforço de manipulação passa pela deslegitimação e criminalização das lutas sociais no Brasil, o que se viu com mais virulência na ofensiva contra os Black Blocs, que contou com bastante adesão nos quadros da esquerda partidária.

Ocorre que nada disso era totalmente novo. “Vândalos”, “bárbaros” e “bandidos” eram alguns dos nomes usados para negar o caráter político da Cabanagem (1835) e da Balaiada (1838), por exemplo. “Agitadores”, “subversivos” e “terroristas” eram os rótulos que a ditadura pós-1964 colocava naqueles que a enfrentavam. A estratégia não é nova: para desmantelar o poder popular, que lhe seja negada a existência como força política e que seja apagada sua história. Feito isso, a brutalidade policial dá conta de sufocar as vozes que vêm das ruas.

Antes que estejamos ainda mais silenciados pela repressão, é preciso lembrar duas coisas. Primeiro, que o povo deste país não acordou em junho porque nunca dormiu, e é por isso que as revoluções, as insurreições e as mobilizações populares como um todo serão lembradas aqui. Segundo, que o slogan “sem violência” só é legítimo se dirigido também, e sobretudo, ao Estado brasileiro, que é o maior algoz de sua população. A brutalidade da polícia não começou em junho. Ela faz parte da rotina de milhões de brasileiros, que vivem constantemente sob um estado de exceção. Por isso, vamos rememorar não apenas as lutas, mas também os massacres. Não só as experiências de organização popular, mas também as chacinas que perpassam ditaduras e “democracias”, como a atual.

Contar a história de um Brasil sonolento e sem violência é uma estratégia dos vencedores do momento, que por sua vez são herdeiros de uma longa tradição de manipulação do passado. Este Calendário Insurrecional do Brasil tem como tarefa romper com a narrativa de um país sem conflitos.

 

“Os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer

Combatemos para que não morram a morte do esquecimento

Combatemos para impedir o inimigo de vencer”

Hino à Rua, 2013

 Baderna Midiática

Churchill, as armas químicas e o Brasil

Em seu novo livro, o escritor Eduardo Galeano documenta uma face menos conhecida de Winston Churchill, tido por herói nacional após liderar a Grã-Bretanha contra a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. Trata-se de sua defesa do uso de armas químicas, que após as catástrofes que causaram na Europa durante a Primeira Guerra, tiveram seu uso restrito no continente.

Em 1919, ele afirmava: “Não consigo entender tantos melindres sobre o uso do gás. Estou muito a favor do uso do gás venenoso contra as tribos incivilizadas. Isso teria um bom efeito moral e difundiria um terror perdurável.”. Em 1937, quando a perspectiva de uma guerra contra os suprematistas “arianos” da Alemanha estava evidente, Churchill parecia não se diferenciar muito de seus inimigos: “Eu não admito que se tenha feito mal algum aos peles-vermelhas da América, nem aos negros da Austrália, quando uma raça mais forte, uma raça de qualidade, chegou e ocupou seu lugar.” Em ambos os casos, as defesas que Churchill faz de políticas de extermínio têm um alvo tão certo quanto amplo: o mundo não-branco, ou ao menos a parte desse mundo que não se organiza em Estados Nacionais soberanos reconhecidos como “civilizados”.

“Tribos incivilizadas”, “peles-vermelhas”, “negros da Austrália” são nomenclaturas que abarcam, cada uma delas, centenas ou milhares de povos, unificados apenas no vocabulário imperialista, ao lado de “bárbaros”, “selvagens”, “aborígenes”, “povos primitivos”, “raças inferiores”. Algumas dessas palavras caíram em desuso, enquanto outras se tornaram, não por acaso, metáforas para caracterizar – e deslegitimar – as lutas populares em geral. Familiar a todos nós, o termo “índio” foi também criado pelos colonizadores, definindo pessoas que se identificam segundo seus próprios termos. Assim como outros grupos explorados, oprimidos e massacrados pelo imperialismo, esses povos se apropriaram de um termo cunhado pelos opressores e com ele elaboraram uma identidade fruto das experiências de luta e resistência. É nesse sentido que se pode falar de uma luta indígena ou de uma consciência racial negra, por exemplo.

Mas retomemos a fala de Churchill, não para reivindicar a perda de seus status de herói (convenhamos que, independentemente desses discursos, ninguém que comanda um Estado que se impõe mundialmente pela violência mereceria este título), mas para tratar da questão dos armamentos e do extermínio. Como já foi dito, as armas químicas foram em grande parte proibidas na Europa após a Primeira Guerra Mundial e passaram, com toda razão, a ser vistas com horror pela cultura ocidental. No entanto, quanto mais se afastam das formas dominantes de organização dessa “cultura ocidental”, mais as pessoas podem ser alvos desse tipo particularmente terrível de violência sem que o agressor sofra consequências por isso. Países cujas populações se horrorizam diante das armas químicas, como os Estados Unidos, a França e Portugal, seguiram fazendo uso delas na África e na Ásia no pós-1945. O fato de que o napalm e o agente laranja se tornaram alvos de campanhas e mobilizações nos EUA após a Guerra do Vietnã foi excepcional, mas não o uso desses armamentos e de outras formas de extermínio em massa legitimados pela ideologia imperialista expressa por Churchill.

E o Brasil? Houve um massacre com armas químicas e biológicas no Brasil?

Um não, muitos! Eles ocorreram principalmente entre os anos 1960 e 1970, facilitados pela generalização do acesso a esses armamentos (muitos deles usados como agrotóxicos) e também pelo regime ditatorial que permitia um silenciamento mais fácil das vozes dissonantes. Trata-se do envenenamento da água de rios, da transmissão intencional de doenças (por exemplo jogando-se objetos contaminados de aviões), e ainda da utilização de armas que se tornaram tristemente célebres no Vietnã, como o napalm e o agente laranja. Em comum, quase todas as vítimas seriam definidas no vocabulário de Churchill como “tribos incivilizadas”, atacadas “quando uma raça mais forte, uma raça de qualidade, chegou e ocupou seu lugar”.

Em 1980 d. Tomás Baduíno afirmava que “como em quase toda a guerra o fim justifica os meios, nessa já foram usadas todas as armas: os cães, os laços, a Winchester 44, a metralhadora, o napalm, o arsênico, as roupas contaminadas com varíola, […]” além das armas jurídicas e ideológicas. O texto era o prefácio a denúncias sobre o massacre dos Nambikwara, que viviam na região do Guaporé, Mato Grosso, e que foram vítimas de agente laranja lançado por aviões de fazendeiros.

Se em quase todas as guerras os fins justificam os meios, a situação é mais grave no caso desta, de uma sociedade que incorporou profundamente a ideologia imperialista contra povos que considera “selvagens”. Mais grave não só pela brutal desigualdade bélica e tecnológica, que faz com que qualquer conflito se torne facilmente um massacre unilateral, mas também porque a justificação está pronta, está dada para uma população que por séculos interiorizou a ideia de que “índio” não é gente – ou de que é menos gente que os demais.

As amas químicas eram relativamente novas no momento do ataque aos Nambikwara, mas não os massacres ou a ideologia que os legitimam. Antes de contarem com a facilidade das armas de destruição em massa, genocidas do poder púbico ou privado usavam no Brasil outros artifícios para, nas palavras de Churchill, difundir “um terror perdurável” – como amarrar pessoas nas bocas de canhões ou desmembrá-las e espalhar as partes de seus corpos, por exemplo. Percorrendo a documentação oficial do governo de Mato Grosso no século XIX nos deparamos com referências a chacinas de indígenas narradas com o mesmo tom burocrático de quem fala da construção de uma ponte ou da redução de uma taxa de comércio. Que episódios como esses sejam pouco conhecidos e que tenha perdurado uma visão pacífica dos contatos interétnicos no Brasil é fruto da internalização da concepção que fundamentava a frase do estadista britânico. Como afirma Antonio Paulo Graça,,”não se exterminam, por séculos, nações, povos e culturas sem que, de alguma maneira, haja uma instância do imaginário que tolere o crime. Se a sociedade brasileira incorre no genocídio, desde sua fundação, e ainda hoje o reitera, é porque existe no imaginário um foro legitimador”.

Por sua vez, o “foro legitimador” pode se voltar contra aqueles que se têm por “civilizados” em oposição aos “selvagens”, mas que entram em rota de colisão com o Estado e o Capital – poderes estes que legitimamente podem reivindicar a ideologia do extermínio em massa. Vítimas da mesma violência que os índios conheciam há séculos, os guerrilheiros que combateram no Araguaia conheceram talvez antes mesmo dos indígenas brasileiros os horrores do napalm.

O agente laranja foi proibido no Brasil em 1977, mas o governo tentou adquiri-lo para uso como pesticida em 1994. Quanto a isso, importa lembrar que o Brasil é um dos países mais permissivos com relação ao uso de venenos na produção de alimentos.

O agente laranja foi proibido no Brasil em 1977, mas o governo tentou adquiri-lo para uso como pesticida em 1994. Quanto a isso, importa lembrar que o Brasil é um dos países mais permissivos com relação ao uso de venenos na produção de alimentos.

Combater o foro legitimador do extermínio indígena passa, antes de tudo, pelo reconhecimento do direito desses povos a terra e a autonomia na definição das formas como se relacionam com a sociedade nacional. Enquanto subordinarmos os direitos desses povos a interesses de quaisquer tipos, por mais legítimos que possam parecer, não estaremos fazendo mais que perpetuar os horrores feitos nos últimos séculos em nome da “civilização” que os comete.

A diferença entre dizer que os índios da Amazônia devem abrir espaço ao progresso e dizer, como Churchill, que não há mal algum em eliminar “raças inferiores” é uma diferença de tom, não de conteúdo.

O coletivo Baderna Midiática apoia a Mobilização Nacional Indígena e a luta contra a ofensiva ruralista expressa na PEC 215/00, PEC 237/13, PEC 038/99, PL 1610/96 e PLP 227/12.

Leitura recomendada, da qual retiramos muitas das informações acima: Victor Leonardi. Entre árvores e esquecimentos: história social nos sertões do Brasil. Brasília: Paralelo 15/UnB, 1996.

Eles também cantaram um dia: 10 canções, 10 revoluções

Eu tenho certeza: eles também cantaram um dia!
Chico Science

Desde junho dezenas de músicas foram lembradas ou criadas por inspiração da experiência viva da tomada das ruas em todo o país. O Hino à Rua, feito pelo coletivo Baderna Midiática, é apenas uma dentre outras canções, como esta e esta. É claro que também surgiram produções puramente mercadológicas, sem qualquer relação com o movimento que tomou as ruas, ou ainda aquelas que, bancadas pela grande mídia, procuram arrancar das manifestações seu espírito contestador. Mas existe hoje, como existiu em todos os momentos como este, a resistência do movimento popular contra os que querem impor suas bandeiras, seus símbolos e suas canções.

O que importa lembrar é que desde que há revoluções e insurreições populares as canções estão presentes a animar a luta. Uma mostra disso está na lista abaixo, na qual incluímos 10 músicas acompanhadas por uma breve apresentação e pela letra traduzida para o português. A seleção inclui apenas canções que são inseparáveis de momentos revolucionários ou insurrecionais, seja porque foram feitas em meio às batalhas, seja porque inspiraram os que lutaram. Começamos nosso percurso na Insurreição de Istambul, ocorrida pouco antes da tomada das ruas no Brasil, e o concluímos mais de 200 anos atrás. A lista poderia ser muito maior, pois ao que parece não há revolução que não se expresse musicalmente. 

Tem outras sugestões para a lista? Deixe seu comentário!

1. Tencere tava havasi (Insurreição de Istambul, 2013)

Uma das belíssimas canções que surgiram dos protestos recentes em Istambul, Tencere tava havasi (“O som das panelas e frigideiras”) foi composta e gravada numa performance de rua pelo grupo Kardeş Türküler. Formado há 20 anos por músicos dos mais diversos grupos étnicos da Turquia (como curdos, árabes e armênios), o grupo sempre teve como objetivo a defesa da diversidade através da música. Em meio à dura repressão do primeiro semestre de 2013, ofereceram aos manifestantes de Istambul e ao mundo uma canção maravilhosa.

Tencere tava havasi trata do movimento que teve início como resistência à derrubada de um parque para a construção de um shopping center. Além do ataque a um espaço frequentado pela juventude, o movimento reagia a uma série de leis arbitrárias que em parte estavam ligadas à “bancada islâmica” (a “bancada evangélica” deles), como é o caso da proibição de venda de bebida apos as 22h. Por isso a música diz que “eles venderam nossos bosques” e também critica “decretos e ordens obstinadas”. O refrão “Venha devagar, o chão está molhado” faz referência a uma das principais armas usadas pela repressão: os jatos de água lançados para derrubar as multidões.

No vídeo, chama atenção também a referência aos pinguins. A razão disso é interessante. No dia em que as manifestações cresceram tanto que não dava mais para a mídia ignorá-las, diversas emissoras cancelaram os telejornais para não ter que mostrar que o país estava tomado por uma insurreição popular. Um deles, a CNN-Turquia decidiu colocou um documentário sobre a vida dos pinguins no lugar do telejornal. A atitude da midia virou piada e os manifestantes passaram a dizer que eles eram os pinguins, ou a resistência da Antártida.

O som das panelas e frigideiras
Chega de declarações inconsistentes e proibições
Chega de decretos e ordens obstinadas
Oh não, já tivemos o suficiente
Oh não, nós realmente estamos fartos
Quanta arrogância! Quanto ódio!
Venha devagar, o chão está molhado

Eles não podiam vender suas sombras
Então ele venderam os bosques
Eles derrubaram, fecharam cinemas e praças

Abrigado em shopping centers
Eu não me sinto como se atravessasse esta ponte
O que aconteceu com nossa cidade?
Está repleta de edifícios

Oh, amada Istambul
Deitada adoecida
Sua beleza arruinada
Quanta desgraça, quanto gás, que luto é este?
Tudo está derrubado pelo chão
O que aconteceu com você?
Me diga, me diga!
Não quero você deste jeito.
Não, eu não quero

Oh não, já tivemos o suficiente
Oh não, nós realmente estamos fartos
Quanta arrogância! Quanto ódio!
Venha devagar, o chão está molhado

2. Kelmti Horra (Insurreição Tunisina, 2011-2012)

A canção Kelmti Horra (“Minha palavra é livre”) foi composta anos antes da insurreição que eclodiu na Tunísia nos últimos dias de 2011. Porém, foi em meio aos protestos que a música se tornou conhecida, principalmente através de um vídeo de Emel Mathlouthi cantando em meio aos manifestantes nas ruas de Túnis. Apesar de não ser a autora da canção, ela já a interpretava desde antes da insurreição. Cantora de protesto, Emel Mathlouthi teve suas músicas proibidas na Tunísia em 2008, quando resolveu se mudar para a França. Retornou a seu país em meio à revolta de 2011.

A Insurreição Tunisina teve início em 17 de dezembro, quando o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo, num ato de desespero após ter suas mercadorias confiscadas pelo governo. Humilhado pelas autoridades, ele ainda sofreu extorsão ao tentar reaver o que lhe foi tomado ilegalmente (pois não havia proibição do tipo de comércio que ele fazia). Emel Mathlouthi também dedicou uma música a Bouazizi, adaptada de uma canção em tributo a dois anarquistas executados nos Estados Unidos em 1927.

Vivendo há muito sob um governo autoritário, a população reagiu após a autoimolação de Bouazizi, exigindo a queda do presidente Ben Ali, que foi forçado a deixar o poder e convocar eleições menos de um mês após o início dos protestos.

Minha palavra é livre

Eu sou daqueles que são livres e nunca temem
Eu sou os segredos que nunca morrerão
Eu sou a voz daqueles que não cederiam
Eu sou o sentido em meio ao caos

Eu sou o direito do oprimido
Que é vendido por esses cachorros (pessoas que são cachorros)
Que roubam as pessoas do seu pão de cada dia
E batem com a porta na cara das idéias

Eu sou aqueles que são livres e nunca temem
Eu sou os segredos que nunca morrerão
Eu sou a voz daqueles que não cederiam
Eu sou livre e minha palavra é livre
Eu sou livre e minha palavra é livre

Não se esqueça do preço do pão
E não se esqueça a causa da nossa miséria
E não se esqueça de quem nos traiu no momento de necessidade

Eu sou daqueles que são livres e nunca temem
Eu sou os segredos que nunca morrerão
Eu sou a voz daqueles que não cederiam
Eu sou o segredo da rosa vermelha
Daquela que colore os anos amados
Que perfuma os rios enterrados
E que se espalhou feito fogo
Convocando os que são livres

E sou uma estrela brilhando na escuridão
Eu sou um espinho na garganta do opressor
Eu sou um vento tocado pelo fogo
Eu sou a alma daqueles que não estão esquecidos
Eu sou a voz daqueles que não morreram

Vamos fazer barro do aço
E construir com ele um novo amor
Que se torna passáros
Que se torna um novo país/lar
Que se torna vento e chuva

Eu sou todas as pessoas livres do mundo juntas
Eu sou como uma bala

3. El pueblo unido, jamás será vencido (Luta popular e resistência ao golpe no Chile, 1973)

 “O povo unido jamais será vencido”: traduzido para os mais diversos idiomas, este é certamente um dos gritos mais presentes em manifestações no mundo todo. A frase, inspirada no discurso de um líder político colombiano, era um dos lemas da campanha da Unidade Popular no Chile, responsável por levar Salvador Allende ao poder e, com ele, a organização que vinha sendo construída há anos pelo povo chileno. A melodia é do compositor Sergio Ortega Alvarado, enquanto a letra é da banda Quilapayún – importante representante da Nueva Canción Chilena, ao lado de Victor Jara, dentre outros. O grupo também foi o primeiro a gravar a canção, num concerto ao vivo apenas três meses antes do golpe de estado que derrubou Allende.

O vídeo acima foi gravado no momento de maior radicalização política da história do Chile, quando a organização popular se mostrava poderosa diante de seus inimigos internos e externos. O golpe dado por Augusto Pinochet com apoio aberto das potências capitalistas, especialmente os EUA, massacrou a organização do povo, os músicos da Nueva Canción e todos que estavam no caminho do imperialismo e das classes dominantes chilenas. De experiência democrática socialista, o Chile se tornou o laboratório do neoliberalismo sob um regime que está entre os mais brutais da história do continente.

Mas a memória daquela experiência não se apagou nem durante nem após a ditadura de Pinochet, o que se percebe inclusive na presença da canção composta e rapidamente sufocada em 1973. É o mesmo grito que se ouviu quando um milhão de chilenos tomaram as ruas há poucos anos. O registro, feito por um brasileiro, é emocionante.

O povo unido, jamais será vencido!

De pé, cantar que vamos triunfar.
Avançam já bandeiras de unidade.
E você virá marchando junto a mim
E assim verá seu canto e sua bandeira florescer,
A luz de um vermelho amanhecer
Já anuncia a vida que virá.

De pé, lutar, o povo vai triunfar.
Será melhor a vida que virá
Conquistar nossa felicidade
Em um clamor de mil vozes de combate se levantarão
Dirão canção de liberdade
Com decisão a pátria vencerá.

E agora o povo que se levanta na luta
Com voz de gigante gritando: Enfrente!
O povo unido, jamais será vencido!
O povo unido jamais será vencido!

A pátria está forjando a unidade
De norte a sul se mobilizará
Desde a salina ardente e mineral
Aos bosques do sul unidos na luta e trabalho
Irão, a pátria cobrirão,
Seu passo já anuncia o porvir.

De pé, cantar o povo vai triunfar
Milhões já, impõe a verdade
De aço são ardente batalhão
Suas mãos vão levando a justiça e a razão
Mulher, com fogo e com coragem
Já está aqui junto ao trabalhador.

4. La Vie S’ecoule La Vie S’enfuit (Insurreição de Paris, 1968)

Gravada pela primeira vez em 1974, com interpretação de Jacques Marchais, a música foi atribuída a um anarquista anônimo, suposto participante da greve que paralisou a região belga da Valônia em 1961. Mas na verdade a música foi composta por Raoul Vaneigem, um dos principais nomes do movimento situacionista. E mesmo se alguns situacionistas estiveram presentes na greve belga, entre eles o próprio Vaneigem, a composição deve ser mais justamente associada à insurreição parisiense de Maio de 68, na qual os situacionistas tiveram um papel importante.

La Vie S’ecoule La Vie S’enfuit não foi a única canção a nascer de Maio de 68, tampouco a única escrita pelos situacionistas – poderíamos pensar, por exemplo, na canção do CMDO, o comitê de ocupação da Sorbonne. Mas a canção de Vaneigem exprime, talvez melhor que outras, o “rastro luminoso dos situacionistas” (Kurz) que formou o espírito dessa revolta. Nela encontramos a recusa de toda forma de representação política (partidos, dirigentes, Estado), a valorização da revolta como festa e, sobretudo, a crítica de um mundo no qual a nossa própria vida continua a nos escapar. Na oscilação entre um trabalho que não queremos e o consumo de mercadorias que não precisamos, a nossa “juventude morre de tempo perdido”.

A vida se esvai, a vida escapa.

A vida se esvai, a vida escapa
Os dias desfilam ao passo do tédio
Partido dos vermelhos, partido dos cinzas
Nossas revoluções são traídas

O trabalho mata, o trabalho paga
O tempo se compra no supermercado
O tempo pago não volta mais
A juventude morre de tempo perdido

Os olhos feitos para o amor de amar
São o reflexo de um mundo de objetos
Sem sonho e sem realidade
Somos condenados às imagens

Os fuzilados, os famintos
Vem até nós do fundo do passado
Nada mudou, mas tudo começa
E vai amadurecer na violência

Queimem, covis de padres
Ninhos de mercadores, de policiais
No vento que semeia a tempestade
Colhem-se os dias de festa

Os fuzis sobre nós dirigidos
Contra os chefes vão se virar
Sem mais dirigentes, sem mais Estado
Para aproveitar de nossos combates

5. Bella Ciao (Resistência ao fascismo na Itália, décadas de 1930-40)

A heroica história da resistência ao fascismo na Itália deixou uma belíssima herança musical, a começar por Il Ribelli della Montagna, canção que inspirou nosso Hino à Rua. No caso de Bella Ciao, o canto ganhou o mundo, dos EUA à Palestina, passando pelas recentes manifestações de Istambul.

A melodia já existia desde pelo menos o final do século XIX, sendo originalmente uma música cantada no trabalho de colheita nos campos da Itália. A letra, por sua vez, foi adaptada para a luta contra a Primeira Guerra Mundial e posteriormente apropriada pela luta antifascista dos anos 1930 e 1940, sendo esta versão a que se tornou mundialmente famosa. Trata-se de um canto que exalta a luta do partigiano – o guerrilheiro da resistência antifascista – e a justiça de sua causa.

Linda adeus!

Esta manhã, acordei
Linda adeus, linda adeus, linda adeus, adeus, adeus
Esta manhã, acordei
E encontrei o invasor

Oh guerrilheiro, me leve embora
Linda adeus, linda adeus, linda adeus, adeus, adeus
Oh guerrilheiro, me leve embora
Pois sinto que vou morrer

E se morro como guerrilheiro
Linda adeus, linda adeus, linda adeus, adeus, adeus
E se morro como guerrilheiro
Você deve me enterrar

Enterrar lá em cima, na montanha
Linda adeus, linda adeus, linda adeus, adeus, adeus
Enterrar lá em cima na montanha
Embaixo da sombra de uma bela flor

E as pessoas que passarão
Linda adeus, linda adeus, linda adeus, adeus, adeus
E as pessoas que passarão
E dirão: que bela flor

É esta a flor do guerrilheiro
Linda adeus, linda adeus, linda adeus, adeus, adeus
É esta a flor do guerrilheiro
Morto pela liberdade

6. A las barricadas (Resistência armada ao fascismo na Espanha, 1936-1939)

A letra de A las barricadas foi publicada em 1933 na revista anarquista Tierra y Libertad. O texto foi escrito por Valeriano Orobón Fernández, sobre a ária da Varsoviana, canção entoada pelo movimento operário polonês no fim do século XIX, e apropriada mais tarde pelos revolucionários russos em 1905 e em 1917. Orobón Fernandez foi teórico e militante anarcossindicalista, e morreu durante a Guerra Civil Espanhola. Ele era um dentre os cerca de dois milhões de filiados da Confederação Nacional do Trabalho (CNT-AIT), a maior organização anarquista da Espanha.

A revolução social espanhola foi amplamente libertária, a autogestão se impôs nas zonas urbanas e a coletivização nos campos – sobretudo nas regiões de maior presença dos sindicatos anarquistas, como a Catalunha. Mas as “negras tormentas agitavam os ares”, e o golpe militar de Franco lançou a Espanha numa sangrenta guerra civil. A las barricadas é um chamado ao combate contra o fascismo, e se tornou um hino da luta contra as tropas golpistas. O chamado foi, aliás, atendido por revolucionários de todo o mundo, reunidos nas Brigadas Internacionais. Mas, infelizmente, isso não foi o suficiente para superar o exército de Franco, que contou com o apoio das potências capitalistas, notadamente da Alemanha nazista e da Itália fascista. A derrota dos republicanos se deveu também às cisões internas na esquerda. A ascensão dos comunistas aliados a Moscou (e, portanto, a Stalin) se fez à custa do enfraquecimento das vertentes libertárias (como a CNT-AIT) e não alinhadas (como o POUM), debilitando fortemente o lado revolucionário.

Às barricadas

Negras tempestades agitam os ares
nuvens escuras nos impedem de ver,
ainda que nos espere a dor e a morte,
contra o inimigo nos chama o dever.

O bem mais precioso é a liberdade
Há que defendê-la com fé e coragem
Levanta a bandeira revolucionária
Que do triunfo sem cessar nos leva a emancipação*

Em pé povo obreiro à batalha!
Há que derrotar a reação!
Às barricadas! Às barricadas!
Pelo triunfo da Confederação

* Trecho adaptado a partir de outra versão da letra, dado que a original não tem correspondente em português

7. La Cucaracha (Revolução Mexicana, 1910)

Nem todos sabem, mas La Cucaracha, música mundialmente famosa e apropriada para os fins mais diversos, é antes de tudo uma canção revolucionária. Mais precisamente, uma canção bem-humorada para uma revolução com aroma de marijuana. Não se sabe precisar sua origem, mas a melodia parece remeter ao cancioneiro medieval espanhol. Contudo, foi a partir da Revolução Mexicana, iniciada em 1910, que ela se tornou um grande sucesso.

La Cucaracha não tem uma letra definida, intercalando-se o refrão e versos os mais variados, que se adaptam a temas e contextos e podem ser improvisados. O próprio nome, “a barata”, poderia ter sentidos diversos – era uma gíria para a maconha consumida massivamente no México, era o apelido do carro usado pelo revolucionário Francisco Villa, era um nome usado para definir a própria Revolução que, como uma barata em fuga, corria em direções imprevisíveis.

No decorrer da Revolução, muitos versos foram feitos satirizando diversos personagens e situações. Incluímos um deles, que faz referência a Carranza, liderança revolucionária liberal contestada e combatida pelas armas por setores indígenas e populares; e a Francisco Villa (também conhecido como Pancho Villa), que ao lado de Emiliano Zapata foi o personagem mais famoso do lado popular da Revolução. Com bom humor, os rebeldes cantavam que usariam os fartos bigodes de Carranza para decorar o sombrero de Villa.

A Barata

[refrão]
A barata, a barata
Já não pode caminhar
Porque não tem, porque lhe falta
Marijuana pra fumar

[um dos versos do contexto da Revolução]
Com a barba de Carranza
Eu vou fazer uma fita
Pra colocá-la no chapéu
Do senhor Francisco Villa

8. La Semaine sanglante (Comuna de Paris, 1871)

Jean-Baptiste Clément foi um dos insurretos da Comuna de Paris e compôs duas músicas que são associadas a essa revolta: Le temps des cerises e La semaine sanglante. A primeira, mais famosa, é na verdade uma canção de amor, composta alguns anos antes, e ulteriormente dedicada a uma enfermeira assassinada na repressão à Comuna. A segunda foi composta durante a chamada “semana sangrenta” e representa a repressão violenta ao movimento, o massacre dos insurretos pelas tropas do exército francês, que deixou mais de 20 mil mortos. O próprio Clément foi condenado à morte, mas conseguiu escapar e passou dez anos na clandestinidade. Mais a tarde ele contaria: “Eu ainda estava em Paris quando fiz essa canção. (…) Do local onde me haviam abrigado (…) ouvia todas as noites tiros de fuzil, prisões, gritos de mulheres e crianças. Era a reação vitoriosa que continuava sua obra de extermínio”.

Se a cidade de Paris pôde ser chamada de a “capital do século XIX” (Benjamin), isso não se deve apenas à sua importância cultural. Paris foi também a capital das revoluções. Entre 1789 e 1968, ela foi a cidade “de um povo que por dez vezes enchera suas ruas de barricadas e pusera em fuga seus reis” (Debord). A mais radical dessas revoluções foi sem dúvida a Comuna de Paris, a única que não se deixou trair, que não foi apropriada pelas classes dominantes, que não deu lugar a um novo governo autoritário. E por isso ela enfrentou também a repressão mais violenta de todas. A música de Clément nos conta essa repressão, mas não deixa de afirmar a necessidade da revolta. Da Comuna resta ainda a vontade da revanche, e a promessa de que “os maus dias acabarão”.

A semana sangrenta

Além de moscas e policiais
Não se veem pelos caminhos
Mais que velhos tristes em lágrimas
Viúvas e órfãos
Paris transpira miséria
Mesmo os felizes tremem
A moda está no conselho de guerra
E os pavimentos estão ensanguentados

Sim, mas…
Nada está decidido
Esses dias ruins acabarão
E cuidado com a revanche
Quando todos os pobres se engajarem

Batem, acorrentam e fuzilam
Todos aqueles que pegam ao acaso
A mãe ao lado de sua filha
A criança nos braços do velho
Os castigos da bandeira vermelha
São substituídos pelo terror
De todos os crápulas
Serventes de reis e imperadores

Eis-nos rendidos aos jesuítas
Aos Mac Mahon aos Dupanloup
Vai chover água benta
Os ofertórios vão encher de dinheiro
A partir de amanhã em júbilo
E a igreja de São Eustáquio e a Ópera
Vão concorrer mais uma vez
E as prisões de trabalho forçado ficarão cheias

Amanhã as Manons, as Lorettes
E as damas dos belos subúrbios
Colocarão em suas lapelas
Fuzis e tambores
Todos vestirão o tricolor
A moda do dia e as fitas
Enquanto o herói Pandore
Fará fuzilar nossos filhos

Amanhã os policiais
Florescerão sobre as calçadas
Orgulhosos de seus serviços
E a pistola a tiracolo
Sem pão, sem trabalho, sem armas
Nós seremos governados
Por moscas e policiais
Tiranos e padres

O povo na coleira da miséria
Será ele sempre esmagado?
Até quando os homens de guerra
Vão ter a dianteira?
Até quando a Santa Camarilha
Nos tomará por gado ruim?
Até quando enfim a República
Da justiça e do trabalho?

9. The Smashing of the Van (Resistència irlandesa à dominação inglesa, 1867)

Elaborada em meio a uma das muitas ondas de rebeldia irlandesa contra a dominação inglesa, The smashing of the van narra a história de três jovens condenados à morte após resgatarem duas lideranças presas. O ataque a um comboio de transporte de detentos ocorreu em setembro de 1867 e resultou na morte de um policial inglês. Segundo a defesa dos irlandeses, a morte foi acidental, fruto da tentativa de arrombar a fechadura do veículo a tiros. Condenados à forca, os três rebeldes ficaram conhecidos como os mártires de Manchester – cidade onde ocorreu a ação.

A canção recebeu outra versão quando a história do resgate de presos e da repressão se repetiu, no começo do século XX, com membros do Exército Republicano Irlandês (IRA) e se tornou um dos principais hinos da luta contra o domínio inglês. Disponibilizamos aqui a versão da banda folk The Wolfe Tones, mas ela também foi gravada pelo grupo Chumbawamba. The smashing of the van conjuga elementos da religiosidade e do nacionalismo popular da Irlanda com um apelo de caráter universal – o da legitimidade da resistência à tirania por via da ação direta.

A destruição do camburão*

Prestem atenção bravos irlandeses e ouçam um tempinho
Vou lhes cantar os louvores aos filhos da Ilha da Erin
Daqueles heróis corajosos que correram voluntariamente
Para libertar dois trevos irlandeses de um camburão Inglês

Meu rapazes pela liberdade, vamos todos com a mão no coração.
Que o Senhor tenha misericórdia dos garotos que ajudaram a destruir o camburão

Em 18 de Setembro, era um ano terrível
Quando a dor e a emoção correram por toda Lancashire
Em uma reunião dos garotos irlandeses cada homem se ofereceu
Para libertar os prisioneiros irlandeses do camburão

Em uma manhã em Manchester aqueles heróis concordaram
Seus líderes, Kelly e Deasy, deveriam ter sua liberdade
Brindaram à Irlanda e logo fizeram o plano
Encontrar os prisioneiros na estrada, tomar e destruir o camburão

Com destemida coragem aqueles heróis foram e logo o camburão parou
Eles tiraram os guardas de trás e da frente e então quebram em cima
Mas ao estourar a tranca, eles sem querer mataram um homem
Então três homens deverão morrer na forca por destruir o camburão

Então agora amáveis amigos vou concluir, eu acho que seria certo
Que todos os Irlandeses sinceros se unissem
Juntos devemos nos compadecer, amigos, e fazer o melhor que pudermos
Para manter as lembranças sempre verdes dos garotos que destruíram o camburão

* Traduzimos como “camburão” para não perder o sentido de que se tratava de um veículo para transporte de prisioneiros

10 – The Triumph of General Ludd (Luddismo, 1812)

Esta canção é encontrada com algumas variações, sendo provavelmente composta no auge da rebeldia dos ludditas, no início da década de 1810. Trabalhadores têxteis que se voltavam contra a maquinaria moderna e a alienação do trabalho, os ludditas invadiam as fábricas com os rostos cobertos e no escuro da noite, destruindo e sabotando as novas máquinas. Muitos dos textos que deixaram (como petições ao parlamento e ameaças a industriais caso não se livrassem dos equipamentos) são assinados por Ned Ludd (ou General Ludd). Personagem que se situa entre o mito e a história, Ludd era o novo Robin Hood dos trabalhadores ingleses. A reação do Estado ao luddismo foi de uma violência atroz, incluindo a aprovação da pena de morte para o crime de destruição de máquinas.

A versão que indicamos é a do álbum English Rebel Songs 1381–1984 da banda Chumbawamba. Para quem quiser conhecer as tradições musicais rebeldes da Inglaterra, recomendamos o álbum como um todo, que inclui outra canção desta lista – The smashing of the van.

O Triunfo do General Ludd

Sem mais cantorias de suas velhas rimas sobre o velho Robin Hood
Suas proezas eu pouco admiro
Eu vou cantar as conquistas do General Ludd
Agora, o herói de Nottingham Shire
Esses motores de dano foram sentenciados à morte
Por unanimidade de votos do sindicato
E Ludd que não pode desafiar a decisão
Foi feito o grande carrasco
Quer guardado por soldados ao longo da rodovia
Ou protegido de perto num quarto
Ele os faz estremecer de noite e de dia
E nada pode suavizar sua destruição
E todo o time de humildes não deve mais ser oprimido
E Ludd deve embainhar sua espada conquistadora
E seja sua reivindicação prontamente atendida com reparação
Que a paz deve ser rapidamente restaurada
Deixe o sábio e o grande prestar sua ajuda e aconselhar
Nunca antes a sua ajuda retirar
Até que o trabalho árduo ao preço antigo
Esteja estabelecido por costume e lei.

11 de Setembro: duas datas, uma única história.

O golpe militar no Chile, que inaugurou uma das mais sangrentas ditaduras que a América Latina já conheceu, completa hoje 40 anos. Atualmente, é sempre preciso fazer um esforço para lembrar o significado da data, que é mais facilmente associada ao atentado ocorrido em Nova York, em 11 de setembro de 2001. Mas os aviões comerciais que derrubaram as Torres Gêmeas não deixam ter algo em comum com os aviões do exército chileno que bombardearam a sede da presidência, o Palacio de la Moneda, em 1973.

11 de setembro de 1973

11 de setembro de 1973

Como se sabe, a derrubada do governo de Salvador Allende foi inteiramente assistida pelo governo dos Estados Unidos. Vale lembrar que para além do apoio militar e estratégico ao golpe, Washington havia primeiramente submetido o país latino-americano ao boicote econômico, com o fim de desestabilizar o governo socialista de Allende. O martírio do povo chileno havia assim começado anos antes do golpe, mas se tornaria certamente mais difícil após a ascensão dos militares ao poder. O Chile ditatorial foi também o laboratório onde os economistas da escola de Chicago puseram em prática as teses do neoliberalismo, uma nova forma de gestão da economia especialmente prolífica na produção de crises e no aumento da desigualdade social. A eclosão da crise do petróleo, no mesmo ano, permitiu que o modelo keynesiano do Estado de bem estar social fosse posto em questão, e que o neoliberalismo se tornasse o novo dogma econômico do mundo capitalista. Isso foi acompanhado de um novo avanço norte-americano sobre o Oriente Médio, principal região fornecedora de petróleo. Para garantir o domínio da região, os Estados Unidos se valeram de todas as armas que lhe pareceram boas – estabeleceram alianças com ditadores, fomentaram golpes, incentivaram o imperialismo de Israel, seu eterno aliado, e também armaram exércitos rebeldes que viessem a combater a influência russa sobre a região. Foi esse último caso que deu origem aos guerreiros de Osama Bin Laden, os mesmos que mais tarde realizariam os atentados em Nova York.

Mas os ataques da Al Qaeda não são apenas uma consequência invertida do imperialismo Estadunidense. Eles inauguram, na verdade, uma nova fase desse imperialismo. Sob o pretexto de enfrentar um inimigo sem pátria e sem rosto, o “terrorismo”, os Estados Unidos têm conseguido legitimar as mais ilegítimas das ações imperialistas. De um lado, avança, de forma cada vez mais inescrupulosa, nas práticas de espionagem intra e extraterritoriais. De outro, inventa novas ações militares que submergem o mundo árabe em intermináveis guerras. De Bush a Obama, nenhuma ruptura. Depois de intervenções desastrosas no Afeganistão e no Iraque, os exércitos americanos preparam-se para levar a Síria um novo banho de sangue em nome da paz.

Uma história em comum une, portanto, o 11 de setembro de 1973 ao 11 de setembro de 2001. Ambos os eventos são episódios trágicos da história do imperialismo Estadunidense. História que ainda se desenrola sob nossos olhos.

Independência e morte! Violenta é nossa história.

Diversos países do mundo têm sua simbologia cívica marcada pela violência. As datas nacionais muitas vezes remetem a revoluções, como é o caso da França, ou a campanhas militares de Independência, como acontece em quase todos os países que um dia foram dominados por potências europeias. Aqui também celebramos a independência, mas todo o imaginário construído sobre ela, a começar pela escolha da data, é uma negação da violência. Sete de setembro de 1822 representa uma declaração de um príncipe, diante de alguns guardas, à beira de um riacho. O quadro de Pedro Américo, datado de 1888, consolida certa visão da Independência cuja glória é ter sido “ordeira”, como aliás tudo na história do Brasil que nos contam.

Pedro Américo - Independência ou Morte. Por não dizer quase nada sobre o que foi o processo de Independência, esta imagem diz muito sobre o que pretendiam os que escreveram essa história

Pedro Américo – Independência ou Morte. Por não dizer quase nada sobre o que foi o processo de Independência, esta imagem diz muito sobre o que pretendiam os que escreveram essa história

Este imaginário, que começou a ser construído já durante o processo de Independência, encobre tanto a violência quanto a participação de amplos setores da população nos acontecimentos políticos do período. Poucos sabem, mas a Independência do Brasil foi um processo violento, que envolveu de diversas maneiras as classes populares, principalmente nas guerras civis ocorridas na Bahia, Piauí, Maranhão e Pará.

Exemplar quanto a isso é o levante de Muaná, na Ilha de Marajó, que estourou a 28 de maio de 1823. Com participação maciça de indígenas e negros, a revolta exigia não apenas a Independência, como também não ser mais o povo “governado por brancos”. Preocupante para as classes dominantes, fosse a parte favorável ou aquela contrária à separação do Brasil, o levante foi rapidamente sufocado.

Também no Pará, em outubro de 1823, um movimento contra os portugueses levou a uma série de saques a estabelecimentos e à tentativa de tomada do poder por grupos populares. Como punição, cinco pessoas foram executadas sumariamente e cerca de 400 foram presas. Na noite de 19 de outubro a população tentou libertar os presos da cadeia, o que levou à transferência de 256 deles para o porão de uma embarcação militar, por ordem de um mercenário inglês contratado por d. Pedro I para forçar a “adesão” do Pará à independência. O porão era mal ventilado, não havia água potável e estava superlotado, levando as pessoas a ao desespero. Soldados dispararam contra a multidão de presos, levando às primeiras mortes, não apenas por ferimentos a bala, como também por serem as pessoas pisoteadas. Havia uma nuvem de cal virgem, que não se sabe se foi jogada por soldados ou se já estava no chão do porão, levantando-se o pó com o tumulto. Durante a noite do dia 21, a única abertura que servia à entrada de ar foi fechada. No dia seguinte, dos 256 presos, apenas 4 saíram vivos. Somando-se aos cinco executados sumariamente, outros 252 acusados de tentar levar o processo de independência para um outro caminho estavam mortos.

A guerra civil nesta e em outras províncias durou de um a dois anos, mobilizando amplos setores da sociedade. Para o regime que se estabeleceu com a independência, porém, interessava uma imagem pacífica do processo. Os desfiles e as festas de 7 de setembro já ocorriam no Primeiro Reinado e se impuseram com mais força após 1831, com a abdicação de d. Pedro I, pois até então a data mais celebrada pelo Estado era a de seu aniversário. Celebração de um patriotismo bem-comportado, a data foi, por vezes, apropriada por setores populares que pretendiam (assim como os rebeldes mortos no Pará) dar outro destino ao processo de Independência. Ameaças de grandes revoltas populares que se aproveitassem do ambiente cívico de 7 de setembro eram bastante comuns. Em Mato Grosso, onde em maio de 1834 havia ocorrido um movimento político violento, a festa e o desfile de 7 de setembro foram cancelados por uma ordem do governo publicada em 21 de agosto. Em nome da “pública tranquilidade”, afirma-se que serão “considerados culpados todos aqueles que largarem de seus trabalhos” para se manifestar naquela data.

O temor não era uma peculiaridade local. No Rio de Janeiro, então capital do Brasil, o 7 de setembro de 1831 foi marcado por boatos de que os liberais exaltados pretendiam aproveitar-se da data para um levante. Os exaltados eram um grupo político com forte base popular, que tinha uma pauta radical para a transformação da sociedade brasileira, defendendo o voto universal (inclusive feminino, que não existia sequer em outros países), a reforma agrária (com o fim do latifúndio) e medidas contra a escravidão. Quatro dias antes da festa, um artigo publicado no Diário do Rio de Janeiro conclamava os “amigos da pátria” a atacar violentamente os “anarquistas”, como eram chamados os exaltados, caso estes se manifestassem no 7 de setembro:

Hoje ninguém deve dormir. […] Venham eles; não os tememos. Se a Pátria tem inimigos, tem ainda mais amigos; podemos contar com dez mil espingardas; e baste que cada um das janelas dê o seu tirinho, não chega uma perna para cada espingarda; temos muita telha pelos telhados para escovar-lhes as cabeças; e muitos honrados Militares, que lá os irão buscar ao Campo se aí se quisessem acantonar. Vamos já decidir este negócio, e viva quem vencer. Os tais de faca e punhal poderão assassinar a alguém; mas estamos firmes, e temos jurado, que por uma vítima da Pátria hão de ser sacrificados cem anarquistas; nós os conhecemos. O Governo não alegue depois ignorância.

O discurso de ódio aos ditos “anarquistas” legitimava frequentemente a perseguição feroz do governo aos exaltados, que tiveram inclusive sua imprensa silenciada. O Estado reprimiu e fechou o caminho do diálogo, não sendo um acaso o fato de que alguns anos depois a violência se tornou generalizada, com grandes revoluções armadas, muitas delas de caráter popular, atravessando o país. Os acontecimentos sangrentos ocorridos no Pará em 1823 se repetiriam de forma mais grave na repressão à Cabanagem, quando mais de 2 mil pessoas morreram em navios prisões semelhantes àquele, enquanto aguardavam julgamento. Muitos sequer tinham outra acusação que não a de serem “cabanos” – ou seja, pobres indígenas ou negros.

Décadas e mais décadas de violência do Estado contra sua própria população foram mais que suficientes para mostrar que o 7 de setembro nada podia oferecer a quem luta por um mundo mais livre e igual. Em períodos de militarização da sociedade e, ainda mais, nos de ditaduras, a data serviu para propagar uma mitologia nacional que legitima a violência estatal e propaga valores contrários à igualdade e à liberdade, como a xenofobia e o militarismo.

Que a data sirva para lembrar os mortos de 1823, os perseguidos de 1831 e todos aqueles que o Estado brasileiro não apenas matou, mas excluiu de sua história, para celebrar um ato inofensivo de um príncipe à beira de um rio. Ao contrário daquela cena, reconhecidamente inventada, de d. Pedro sobre um cavalo erguendo sua espada, a história deste Estado nada tem de inofensiva.

Digam o que disserem os livros deles, violenta é nossa história.

Violento é o trabalho: sobre o amor dos pobres à preguiça

“A fome e a miséria são só devidas à preguiça do povo, que ali devia viver na abundancia.

Qual o motivo porque uma mulher, que não tem o que comer no dia seguinte; que mora em um rancho de palha, que não possui mais que uma rede velha e rota, que verte a saúde por todos os poros – rejeita 30$000 por mês para amamentar uma criança, recebendo além do salario um bom tratamento, ao passo que não tem pejo de estender a mão para implorar a caridade publica?

Qual o motivo porque uma rapariga que vive na prostituição rejeita 20$000 mensais para servir de criada grave, e prefere ao ganho certo a nudez e a fome, uma vez que tenha liberdade para viver na devassidão?

E homens robustos-que passam a vida em continua bebedeira, deitados debaixo de miseras palhoças, acordando somente para comerem um pouco de mandioca, porque recusam 30$000 por mês para servirem como criados ou camaradas?

Não será tudo isto negação completa ao trabalho, amor excessivo á preguiça?”

O excerto acima foi tirado de um livro escrito por um comerciante português que viveu no Brasil há cerca de 150 anos. A primeira coisa que percebemos nele é que sempre antes na história deste país o discurso sobre a preguiça dos pobres existiu. Atualizados os valores, as mesmas frases poderiam ser encontradas facilmente na internet hoje.

A segunda coisa é que a pergunta retórica no final do excerto pode ser respondida de maneira diferente daquela esperada pelo autor usando apenas dados fornecidos por ele mesmo. No texto ele informa alguns preços do mercado local. Uma galinha custava 2$500, uma abóbora podia custar 1$000, um bom peixe, 3$000. Ou seja, amamentar filho de rico (podendo comprometer a amamentação do próprio filho) ou trabalhar como criado rendia um salário que dava pra comprar 12 galinhas por mês, ou 30 abóboras, ou 10 peixes. Ser uma “criada grave” (a opção dada à prostituta), permitia comprar 8 galinhas, ou 20 abóboras, ou 6 peixes por mês.

Ora, o próprio autor afirma no trecho citado que é possível para essas pessoas “comer um pouco de mandioca” (provavelmente plantada no próprio terreno) e “passar a vida em continua bebedeira” (graças a trabalhos esporádicos ou à comercialização de uma pequena produção própria) sem ter que se sujeitar a isso.

Então por que diabos alguém em sã consciência se sujeitaria à exploração de sua força de trabalho nessas condições? Por um salário que compra 10 peixes ao mês é que não é. Mas também aí o autor dá a resposta, revelando a mágica que transformou pobres relativamente autônomos em pobres sujeitos a vender sua mão-de-obra:

“Lance o governo um olhar de compaixão para aquele povo, e procure dar-lhe um remédio eficaz à preguiça, ao contrario terá de vê-lo sempre miserável no meio da abundância, a província inabitável. É-lhe necessário um reativo violento!”

Um reativo violento! Forçar os pobres ao trabalho, impedindo a posse de terras para cultivo próprio e punindo violentamente a suposta “vadiagem”: eis a receita mágica aplicada no Brasil e no mundo. Note que nem estamos falando da escravidão, sistema fundado na violência mais brutal e que na primeira metade do século XIX explorava quase metade da população brasileira. Foi o “reativo violento” que tornou o pobre, além de pobre, um sujeito explorado e dependente – e no caso dos escravos, tornou o alforriado um “vadio” para que continuasse sendo violentamente forçado ao trabalho.

O Corpo de Trabalhadores do Pará, criado em 1838, foi um exemplo de “reativo violento” usado no Brasil. Já no texto da lei a inciativa se justificava como solução para os “vadios” – quase sempre indígenas, que viviam do que produziam ou obtinham na floresta. Com essa legislação, em vigor até pelo menos a década de 1870, o Estado podia sequestrar pessoas para o trabalho forçado e conceder sua exploração a particulares. A Cabanagem (1835-1838) havia sido, em boa parte, uma reação a tentativas de efetivar este tipo de exploração. O Corpo de Trabalhadores nunca foi chamado de violento da forma como os cabanos que reagiam a isso foram.

O Corpo de Trabalhadores do Pará, criado em 1838, foi um exemplo de “reativo violento” usado no Brasil. Já no texto da lei a inciativa se justificava como solução para os “vadios” – quase sempre indígenas, que viviam do que produziam ou obtinham na floresta. Com essa legislação, em vigor até pelo menos a década de 1870, o Estado podia sequestrar pessoas para o trabalho forçado e conceder sua exploração a particulares. A Cabanagem (1835-1838) havia sido, em boa parte, uma reação a tentativas de efetivar este tipo de exploração. O Corpo de Trabalhadores nunca foi chamado de violento da forma como os cabanos que reagiam a isso foram.

Pode esquecer aquela edificante estória do contrato entre indivíduos autônomos que trocam livremente dinheiro por força de trabalho. Sem o “reativo violento” dado pelo “governo”, nada de exploração! E isso nosso amigo do século XIX já sabia muito bem. Ele só não podia confessar que o que lhe interessava era a exploração do outro, e não a melhoria de sua situação (ou alguém acha que a situação de uma mulher melhora com 6 peixes por mês em troca de um filho potencialmente subnutrido?). É por isso que o autor tinha que apelar para o moralismo, falando da preguiça, da prostituição e da bebedeira. O moralismo é o argumento preferencial de quem não pode ir fundo na análise da sociedade porque tem interesses inconfessáveis na exploração e opressão dos outros.

Quando alguém grita “vagabundo”, “puta” ou “maconheiro” é muito provável que, mais do que ignorância, estejamos diante da defesa de interesses que não podem dizer seu nome.

Quando clamam por um “reativo violento” contra o “vagabundo”, a “puta” ou o “maconheiro” é muito provável que estejamos diante de uma máscara que encobre a verdadeira face da exploração.

Violento é o capital.

Violento é o trabalho.

Baderna Midiática

Fonte do Excerto: Joaquim Ferreira Moutinho, Notícia sobre a província de Mato Grosso (1869)

Severamente punidos – a mídia demoniza o Black Block

Corpo de Carlo Giuliani, militante assassinado com dois tiros a queima roupa pela polícia de Gênova

Corpo de Carlo Giuliani, militante assassinado com dois tiros a queima roupa pela polícia de Gênova, em 2001. Clique na foto para assistir o video.

O vídeo denuncia a campanha midiática contra o movimento Black Block como uma estratégia para criminalizar os protestos e incentivar a repressão policial. Lembramos aqui que o mesmo aconteceu em Gênova em 2001. A campanha da mídia italiana contra os Black Blocks legitimou a repressão policial que resultou na morte de Carlo Giuliani, assassinado por um policial com dois tiros a queima-roupa durante uma manifestação, e no massacre da escola Diaz, quando uma operação envolvendo mais de 300 policiais deixou 82 feridos, 63 hospitalizados e uma jovem em coma.

Um massacre midiático prepara sempre um massacre real. Violenta é a mídia!

Globo: a verdade é mais dura

Roberto Marinho e o ditador Figueiredo

Roberto Marinho e o ditador Figueiredo

A Globo pediu perdão por ter apoiado o golpe de 1964, mas esqueceu de dizer o quanto ela lucrou com ele. Seu apoio ao regime não foi uma questão de consciência ou de ética resultante de uma má avaliação política. Ela simplesmente ganhou mais concessões e com isso mais poder e dinheiro. Ela não optou torcer por um time que roubou, nem teve uma avaliação errada ao escolher um lado num conflito. Ela fez o que fez para ganhar dinheiro, é claro que com certa coincidência de valores entre ela e o lado escolhido.

Seria mais sincero dizer: “sim, apoiamos o regime militar, sim, a verdade é dura, mas assim é o sistema que defendemos, que é o capitalismo e não a democracia”. Nesse sistema, uns investem no seguro, outros no arriscado. A Globo preferiu investir no seguro para ter um retorno garantido, estável e lucrativo. Seu compromisso é, ainda hoje, com o próprio lucro e não com a democracia. Seu apoio aberto e sistemático à ditadura garantiu a construção de um império midiático. Garantiu também a perpetuação da própria ditadura e vem contribuindo para a preservação de suas piores heranças.

A verdade é ainda mais dura: a Globo cresceu graças a seu apoio à ditadura.

Enquanto houver o monopólio da mídia que a ditadura alimentou não haverá democracia.

20 anos do Massacre de Vigário Geral

20 anos do Massacre de Vigário Geral

20 anos do Massacre de Vigário Geral

Na noite de 29 de agosto de 1993 mais de 50 policiais encapuzados entraram na favela de Vigário Geral para executar seus moradores. “Vingaram” a morte de 4 policiais alguns dias antes atirando em alvos aleatórios, sendo que dos 21 mortos nenhum tinha relação com o crime organizado. Uma família inteira, de sete pessoas, foi assassinada.

45 dos 52 policiais acusados formalmente pelo massacre foram inocentados por falta de provas.

Quem mesmo promove a violência?
Onde mesmo está o “fascismo”?

Violência, mas para quê?

Dica de leitura: em um momento em que a palavra “violência” parece não sair da boca de todos os porta-vozes da mídia, vale perguntar: “violência, mas para quê?”

O texto do filósofo alemão Anselm Jappe apareceu no Brasil no momento justo: junho de 2013. Foi, porém, escrito em 2009, tendo como motivação a prisão sob acusação de “terrorismo”(!) de 9 anarquistas na cidade de Tarnac, na França, que teriam supostamente planejado um ataque a uma linha de trem. Se tinham de fato planejado algo, o que nunca foi provado, isso não teria sido mais do que a sabotagem de uma linha de alta velocidade. A França “foi muito longe no apagamento das fronteiras entre terrorismo, violência coletiva, sabotagem e ilegalidade”, afirma Jappe. Mas isso não diz respeito apenas ao país europeu: “essa criminalização de todas as formas de contestação não estritamente “legais” é um grande acontecimento de nossa época”, e coloca a nu o funcionamento da “democracia” atual:

“Toda e qualquer oposição à política das instâncias eleitas que vai além de um abaixo-assinado ou de uma carta ao deputado local é por definição “antidemocrática”. Em outras palavras, tudo o que poderia ser minimamente eficaz é proibido, mesmo o que ainda era permitido há não muito tempo.”

Mas isso não significa fazer uma apologia incondicional da violência. Não se deve confundir violência com radicalidade. Como bem lembra Jappe: “Admirar a violência e o ódio enquanto tais ajudará o sistema a descarregar a violência em bodes expiatórios”. É preciso que essa violência seja devidamente acompanhada de uma critica do funcionamento do capitalismo – logo, do valor, do trabalho, do capital, da concorrência – para que o sentimento de humilhação que o controle nos impõe possa levar à uma subversão inteligente e não a um simples massacre.

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A violência da horda

canudosO próprio Euclides da Cunha (…) não encara as coisas do ponto de vista político, chegando até a condenação de Canudos como fenômeno de horda, com a renascença das hordas que, aliás, é uma linguagem que a nova direita está usando muito hoje, no Brasil. Isso esvazia politicamente as manifestações – se é horda, justifica-se o uso do Napalm. Toda ideologia hoje é vinculada com a guerra direta; sempre esteve, mas hoje mais do que nunca. Glauber Rocha, Entrevista (1980)