Há apenas alguns dias o Baderna Midiática difundiu um vídeo intitulado “Severamente Punidos” no qual antecipava as consequências que se poderiam esperar da intensa campanha midiática contra os Black Blocs. O paralelo com o que acontecera em 2001 em Gênova servia de alerta: a apresentação dos Black Blocs como usurpadores violentos das manifestações, como vândalos incontroláveis, preparava o campo para uma repressão desmesurada, com o desrespeito de normas legais e o uso abusivo da violência policial. E, mais importante ainda, essa repressão não se limitaria aos vilões declarados, mas abrangeria todas as práticas de contestação, “pacíficas” ou não. Um massacre midiático antecipa sempre um massacre real, dizíamos. Esse massacre já começou.
A prisão dos administradores da página do Black Bloc RJ foi feito de maneira autoritária e ilegal por par parte do Departamento de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI) – mas que pelo modo com que vem agindo merece guardar apenas a primeira parte do nome. Como pode ser considerado legal que pessoas que não foram flagradas cometendo nenhum “ato de violência” e nenhum “ato de vandalismo” sejam presas em suas próprias casas e imputadas por “formação de quadrilha”? Como se não bastasse o sigilo informático ser quebrado sem justificativa válida, a prisão foi logo completada pelos típicos procedimentos de incriminação da polícia. Os administradores da página são agora apresentados como a encarnação do Mal: não são apenas violentos, mas são também “corruptores de menores”, “pedófilos” e “maconheiros” ! Mas alguém consegue explicar porque a DRCI agiu de maneira tão contundente contra os Black Blocs, apresentando como prova de incriminação uma simples postagem na qual se ensinava a construir um “ouriço”, mas parece não se importar com as diversas páginas e publicações de conteúdo abertamente racista e filo-nazista?
Na verdade, como já havíamos dito, os Black Blocs são apenas o bode expiatório que serve para justificar um aparato repressivo geral. A propaganda do terrorismo e da violência é a ladainha que legitima a ilegalidade do Estado, desde que esse existe. E o Estado do Rio de Janeiro é um Estado de Exceção declarado desde a criação da “Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas”. A Comissão é a prova de que a repressão não se limita aos Black Blocs ou a nenhum outro grupo de “manifestantes violentos”. A recente determinação da “Ceiv” de que todos os “mascarados” serão fichados nas manifestações é provavelmente um dos atos “legais” mais inconstitucionais da história do Brasil pós-ditadura. Trata-se de fichar como criminosos pessoas que não cometeram crime nenhum. Será que ainda temos que lembrar o quanto é hipócrita um Estado que extermina impunemente nas favelas ter a cara de pau de dizer que violência é quebrar vitrines? Não bastando, ainda querem transformar manifestante mascarado em criminoso, pelo simples ato de usar máscaras (ainda estamos na terra do carnaval?). Fica evidente que o objetivo dessa repressão é transformar todo e qualquer manifestante em criminoso pelo simples ato de não se conformar a uma sociedade injusta e desigual.
E não nos iludamos sobre a possibilidade de traçar linhas de demarcação entre o bom e o mau protesto. O jornal “O Estado de São Paulo” – ainda mais que o “Globo” e seu falso mea culpa – parece ter nostalgia dos tempos em que apoiava a ditadura. Em editorial de ontem , o “Estadão” saúda o autoritarismo da “Ceiv” e sua política de criminalização, por “combater o vandalismo”, ao mesmo passo em que saúda a ação da justiça de São José dos Campos que impediu uma manifestação do Sindicato dos Metalúrgicos de interromper o tráfego na Rodovia Presidente Dutra – ressuscitando o falacioso argumento de que as manifestações “perturbam o tráfego”, quando todos sabem que o trânsito das grandes metrópoles brasileiras não precisa de ajuda para ser perturbado: para isso já basta a espoliação do transporte público levado a cabo pelas diversas máfias dos transportes. Na argumentação do “Estadão”, fica claro como se articula a ideologia do controle. O combate ao vandalismo se conjuga rapidamente ao combate à toda e qualquer mobilização social, mesmo as mais tradicionais, como as sindicais. Nessa ótica, toda forma de reivindicação que ultrapasse o estreito limite da política parlamentar existente – com seus inúmeros resquícios legais da recente ditadura – deve ser “severamente punido”.